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Uma parede coberta de graffiti diz 'Car Wash' em grandes letras vermelhas
Foto de Jon Tyson no Unsplash.

Capturando o Caráter Político de uma Iniciativa Anticorrupção Através de Pesquisa nos Marcos da Consciência Jurídica Relacional

Uma parede coberta de graffiti diz 'Car Wash' em grandes letras vermelhas
Foto de Jon Tyson no Unsplash.

Em 2014, o Brasil foi abalado por uma iniciativa anticorrupção denominada lava jato. A lava jato começou como um caso comum de lavagem de dinheiro, mas rapidamente escalou para algo muito maior, à medida que as investigações revelaram um esquema de corrupção no coração da empresa estatal de petróleo Petrobras. CEOs de grandes empresas de construção e agentes de partidos políticos importantes foram presos, incluindo o atual presidente do Brasil, Lula da Silva.

A lava jato foi elogiada no Brasil e internacionalmente por acabar com a impunidade e promover o Estado de Direito. Mas, para alguns observadores, isso não parecia correto. Eles notaram que, à medida que a operação se desenrolava, a política brasileira começou a se inclinar para o autoritarismo, culminando com a eleição de Jair Bolsonaro à presidência em 2018. Ao lidar com esse aparente paradoxo, decidi investigar a lava jato como um lócus de produção de consciência jurídica.

Os estudos de consciência jurídica surgiram a partir da virada cultural ou interpretativa nas ciências sociais para revolucionar os estudos de direito e sociedade. Acadêmicos como Patricia Ewick e Susan Silbey, seguidos por vários outros, decidiram estudar os sentidos que as pessoas comuns atribuem ao direito e como esses sentidos dão sustentação à estrutura duradoura do Estado de Direito. Mais recentemente, estudiosos enfatizaram a importância de se entender essa produção de sentidos jurídicos em meio às interações sociais que a cercam. Kathryn Young e, posteriormente, Lynette Chua e David Engel denominaram isso de ‘consciência jurídica relacional’. A lava jato parecia extremamente apropriada para uma investigação sobre a produção relacional de sentidos jurídicos e até que ponto estes dão suporte–ou não–ao Estado de Direito.

Um dos pilares da operação lava jato foi o que os procuradores do caso conceberam como transparência. Usando coletivas de imprensa e ativismo nas redes sociais no Facebook e Twitter, os procuradores tentaram envolver o povo em cada etapa de seu trabalho. Estudei postagens no Facebook com as palavras lava e jato de 2017 a 2019, totalizando 75.000 postagens e seus comentários. As postagens foram coletadas usando uma ferramenta paga de monitoramento de mídia social e os comentários foram extraídos usando a ferramenta paga exportcomments.com. Vídeos e imagens sendo baixados manualmente e armazenados para análise. Verifiquei que a página do procurador Deltan Dallagnol tinha 53 postagens que atraíram o maior engajamento em meu conjunto de dados (n=750), mais do que qualquer outra página na minha amostra (Fig. 1). Essas postagens atraíram 122.335 comentários de usuários do Facebook que seguiam ou interagiam com ele.

Um gráfico de barras que mostra onde aparece a maior parte das postagens sobre lava jato no Facebook.

Figura 1. Páginas do Facebook com mais postagens sobre lava jato, 2017–2019. Dallagnol teve mais 2 postagens de sua conta pessoal que chegaram ao top-750.

 

Considerando esse corpus de dados, perguntei: A que essas interações deram ensejo? Elas ajudaram a nutrir um espírito virtuoso e cívico consistente com o Estado de Direito, ou produziram algo diferente e talvez mais amargo?

Minha análise utilizou tanto técnicas quantitativas quanto qualitativas. Calculei as frequências das palavras mais usadas nos comentários às postagens. Mapeei redes de palavras, para visualizar quais termos estavam mais conectados uns aos outros. Isso tudo foi complementado com leitura e codificação qualitativa de postagens/comentários que tinham pelo menos um like e, portanto, alguma visibilidade e ressonância. Para fins de contextualização, essas análises foram triangulada com fontes acadêmicas e da mídia sobre a lava jato.

Minhas descobertas apoiam as visões mais céticas da lava jato. As trocas entre os procuradores da lava jato e os usuários do Facebook coproduziram um esquema cultural contrário ao Estado de Direito (Fig 2). O trabalho anticorrupção foi glorificado, interpretado como messiânico ou patriótico, não como um empreendimento institucional baseado em, e sujeito a, regras. A sociedade foi chamada a participar de uma luta contra a corrupção que se tornou uma cruzada contra as instituições, com ataques sistemáticos ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal (STF). Esse esquema apoiou a mobilização das pessoas tanto online quanto offline, e pode ter possivelmente legitimado os movimentos autocráticos de Bolsonaro, que concorreu usando símbolos (o ‘mito’, pronto para combater a corrupção) e um lema (‘Brasil acima de tudo, Deus acima de todos’) que ressoavam completamente com o estoque de significados (re)produzidos através da lava jato.

Exemplo de comentários/respostas a várias postagens de Deltan Dallagnol

Figura 2. Exemplo de comentários/respostas a várias postagens de Deltan Dallagnol

 

Minhas descobertas têm várias implicações para estudos de consciência jurídica e anticorrupção. Aqui, destaco duas. Primeiramente, minhas descobertas convidam a pesquisas que levem a sério o papel das plataformas de mídia social em alterar e expandir o espaço no qual interações sociojurídicas se desenrolam e as pessoas atribuem sentido ao direito. Consequentemente, postagens, comentários e similares devem ser considerados como fontes de dados válidas nos estudos de consciência jurídica, onde fontes qualitativas tradicionais, notadamente entrevistas em profundidade, ainda predominam. Em segundo lugar, minhas descobertas ressaltam a importância de pesquisas que olhem não apenas para os esquemas produzidos em apoio ao Estado de Direito, mas também para a sua rejeição.

De fato, estudiosos como Erik Fritsvold, Simon Halliday e Bronwen Morgan, Marc Hertogh, e eu próprio têm identificado casos em que os sujeitos entendem o Estado de Direito como uma ordem inerentemente corrupta que eles não estão dispostos a apoiar e se engajar. Devemos olhar meticulosamente para esses bolsões de detração do direito–incluindo os meios, digitais ou de outra ordem, que estão sendo usados para nutri-los e expandi-los em um momento em que o consenso sobre o Estado de Direito está sendo ameaçado por autocratas em ascensão.

About the Author

Headshot of Professor Fabio de Sa e Silva

Professor Fabio de Sa e Silva

Associate Professor of International Studies and Wick Cary Professor of Brazilian Studies at the University of Oklahoma, Affiliated Fellow of Harvard Law School’s Center on the Legal Profession.

Fabio is the author of high-impact studies on law, lawyers, and democracy. His article 'From Carwash to Bolsonaro' became the most-cited and most-downloaded article in the Journal of Law and Society for the year 2020. His article 'Relational Legal Consciousness and Anticorruption', on which this post is primarily based, won the Law & Society Association’s best article award in 2022. Fabio is one of the conveners of the Project on Autocratic Legalism (PAL), an LSA International Research Collaborative designing comparative research on how rising autocrats in Brazil, India and South Africa use law to amass power. He also hosts the podcast series 'PAL Cast'.

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